IV domingo da Quaresma

Scultura in bronzo, 1927
ARTURO MARTINI, O filho pródigo
10 março de 2013
Reflexões sobre as leituras
de
LUCIANO MANICARDI
O arrependimento pode nascer diante do amor fiel do pai, quando o jovem relê a sua vida à luz desse amor que sempre foi grande 

10 março 2013
de LUCIANO MANICARDI

Ano C

Js5,9a.10-12; Sal 33; 2Cor 5,17-21; Lc 15,1-3.11-32

O anúncio do amor fiel e misericordioso de Deus que se torna perdão está no centro da mensagem deste domingo.

Perdão é o nome que o filho mais novo, desta parábola, de regresso a casa, poderá dar ao amor fiel do pai que continuou a amá-lo mesmo depois de ter partido e de ter recusado a sua filiação. A parábola fala da dificuldade em reconhecer e compreender o amor, de acolher a misericórdia: os dois filhos, por caminhos diferentes, têm dificuldade em aceitar a sua condição de filhos e o próprio amor do pai (evangelho). O trecho de Josué, que nos fala da primeira Páscoa celebrada por Israel na terra de Canaá, mostra Israel, o filho de Deus (cf. Es 4,22; Os 11,1), que entra na casa que o Senhor preparou para ele, depois de o ter feito sair da casa onde viveu como escravo: a celebração da Páscoa é a festa, necessária e justa, que exprime a alegria de Deus e do povo libertado. Certo, uma vez de volta à terra, Israel  (como o filho mais velho da parábola) corre o risco de se sentir justo e poderá viver o dom de Deus como motivo de autosuficiência até não ser mais capaz de discernir a misericórdia divina (I leitura). O texto paulino encerra em si um convite à reconciliação que o apóstolo dirige aos cristãos de Corinto fundamentando-o na reconciliação que Deus já realizou, em Cristo, com o seu amor misericordioso (II leitura).


 

Nos três textos está implícita uma dinâmica pascoal: a celebração pascoal celebra a passagem do Egipto à terra prometida (I leitura); o acolhimento da graça de Deus em Cristo faz com que aqueles que eram pecadores sejam amigos de Cristo, transformando-os em novas criaturas (II leitura); na parábola a dinâmica pascoal está subjacente à passagem da morte à vida, do filho que estava perdido (Evangelho).

O pecado, segundo a parábola evangélica, aparece como desconhecimento do amor. Ambos os filhos não acedem à sua verdade de filhos: um foge da casa e do pai; o outro fica em casa, porém, ressentido e como escravo. Sem liberdade não há amor. Acabamos por fugir da casa que se transformou em prisão ou permanecemos na lógica do dever e da obrigação, como escravos e não como filhos (cf. Jo 8,35).
Decisivo no processo do regresso a casa do filho mais novo é o "cair em si" (v. 17). O jovem deixa de fugir quando toma contacto consigo mesmo, quando ousa interiorizar. Não se trata ainda de uma conversão, mas de uma leitura realística de si, uma tomada de consciência da situação penosa em que caíu.


 

Aquilo de que a parábola acusa o filho mais novo não é tanto o comportamento moral (a vida desregrada) ou a prodigialidade (deu cabo da sua herança) mas a insensatez; o ter vivido asótos, longe do senso, de modo louco e insane (v. 13). O texto não apresenta a sequência pecado - arrependimento - conversão, mas antes uma escolha de vida insane a que se segue uma tomada de consciência da realidade mísera a que o jovem se reduziu e, por fim, a decisão de voltar para casa, para fugir da fome. Não é o arrependimento que transforma o filho mais novo, mas, tão só, uma avaliação realista do que é melhor para si. O arrependimento não aparece aqui como condição do perdão. O arrependimento poderá nascer diante do amor fiel do pai, quando o jovem reler a sua vida à luz daquele amor do pai, que nunca foi pouco, e que ele, simbolicamente, matou pedindo-lhe, antes do tempo, a sua herança. É o perdão que suscita o arrependimento, não o contrário.

Ao amor do pai opõe-se também a lógica do dever que move (ou antes, que torna imóvel) o outro filho. Ele vive uma religião de préstimos que o torna cativo e o leva a não-conhecer o pai (que para ele se torna um patrão) e a desprezar o irmão (“esse teu filho”: v. 30). Ambos os filhos desconsideraram a única coisa necessária: reconhecer a assumir a sua filiação a a sua liberdade. O Espírito Santo é, de facto, o espírito dos filhos, isto é, um espírito de liberdade e não um espírito de escravos ou um espírito de medo (cf. Rm 8,15).

LUCIANO MANICARDI

Comunidade de Bose
Eucaristia e Parola
Textos para as Celebrações Eucarísticas - Ano C
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