Solidão

Le parole della spiritualità
de ENZO BIANCHI
A solidão, temível porque nos recorda a solidão radical da morte, é sempre solitudo pluralis, é espaço de unificação do próprio coração e de comunhão com os outros

A solidão é um elemento antropológico constitutivo: o homem nasce e morre sózinho. Ele é certamente um "ser social", feito "para a relação" mas a experiência tem vindo a mostrar que apenas quem sabe viver só sabe também viver plenamente as relações. Mais: a relação para ser fundida ou ser absorvida exige a solidão. Apenas quem não teme descer ao seu interior sabe também confrontar-se com a alteridade, com o outro. É significativo que muitas das doenças "modernas", que dizem respeito à subjectividade, afectem a qualidade de vida relacional: por ex. a incapacidade de interiorizar, de habitar a vida interior, torna-se incapacidade de criar e viver relações sólidas, profundas e duradouras com os outros. Certo que nem todas as solidões são positivas: existem formas de fuga dos outros que são patológicas; existe sobretudo aquela "má solidão" que é isolamento, que implica fechar-se aos outros, rejeitar o desejo dos outros, o medo da alteridade. Mas entre isolamento, fecho, mutismo de um lado e necesidade da presença física dos outros, falar continuamente, activismo excessivo, de outro, a solidão é o equilíbrio e a harmonia, a força e a firmeza. Quem assume a solidão é aquele que mostra a coragem de se ver ao espelho, de reconhecer e aceitar como trabalho "tornar-se ele mesmo"; é o homem humilde que vê na própria unicidade o trabalho que, apenas ele, pode realizar.    

E não se subtrai a tal tarefa refugiando-se no "branco'', no anonimato da multidão, nem na deriva solipsista do fecho em si. Sim, a solidão guia o homem ao conhecimento de si e exige-lhe muita coragem. A solidão é essencial à relação, permite a verdade da relação e entende-se no interior da relação. Capacidade de solidão e capacidade de amor são proporcionais. Talvez a solidão seja um dos grandes sinais da autenticidade do amor. Simon Weil escreveu: "Preserva a tua solidão. Se não chegar o dia em que te seja dado um verdadeiro afecto, não existirá contraste entre solidão interior e a amizade; antes, deste sinal infalível, a reconhecerás". A solidão é um nicho do amor: as grandes realizações humanas e espirituais têm de atravessar a solidão. A solidão torna-se a bem-aventurança de quem a sabe habitar. Fazendo eco da medieval "beata solitudo, sola beatitudo'', escreve Marie-Magdeleine Davy: "A solidão custa apenas para aqueles que não têm sede da sua própria intimidade e que, consequentemente, a ignoram; mas ela constitui a felicidade suprema para aquels que lhe provaram o gosto''. Na verdade, a solidão, temível, porque nos recorda a solidão radical da morte, é sempre solitudo pluralis, é espaço de unificação do próprio coração e de comunhão com os outros; é assunção do outro na sua ausência, é purificação das relações que, em continuo comércio, arriscam de se tornar insignificantes.

E para o cristão é lugar de comunhão com o Senhor que lhe pediu de o seguir onde quer que se encontre. Quanto da vida de Jesús não se passa em soldão! Jesús que se retira para o deserto onde conhece o combate com o tentador; Jesús que se recolhe em lugares isolados para rezar; que procura a solidão para viver a intimidade com o Abbà e para discernir a Sua vontade. Certo, como Jesús, o cristão deve preencher a sua solidão com a oração, com a luta espiritual, com o discernimento da vontade de Deus, com a busca do seu rosto. Comentando João 5,13 que diz: "Mas o que tinha sido curado não sabia quem era, porque Jesús se tinha afastado da multidão ali reunida." Agostinho escreve: "E' difícil ver Cristo no meio da multidão; é preciso estarmos sós. Na solidão, de facto, a alma está atenta, Deus deixa ver-se. A multidão é barulhenta; para ver Cristo é necessário o silêncio". O Cristo em que dizemos acreditar e que dizemos amar faz-se presente no Espírito Santo para habitar em nós e para fazer de nós a sua morada. A solidão é o espaço que se presta ao discernimento desta presença em nós e à celebração da liturgia do coração. Cristo que viveu a solidão da traição dos discípulos, do afastamento dos amigos, da rejeição da sua gente e finalmente o abandono de Deus, indica-nos o caminho da assunção, também das solidões sofridas, das solidões impostas, das solidões "negativas". Aquele que sobre a cruz viveu a plena intimidade com Deus conhecendo o abandono de Deus, recorda ao cristão que a cruz é o mistério da solidão e da comunhão. Ela é, de facto, o mistério do amor! 

ENZO BIANCHI