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Santíssima Trindade

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Marc Chagall, Abramo e i tre angeli (particolare), 1966, olio su tela, Museo Biblico Chagall, Nizza, Francia.
Marc Chagall, Abramo e i tre angeli (particolare), 1966, olio su tela, Museo Biblico Chagall, Nizza, Francia.

Santíssima Trindade, ano B, 31 maio 2015

Mt 28,16-20
Reflexão sobre o Evangelho por Enzo Bianchi

 

Naquele tempo, os onze discípulos partiram para a Galileia, em direcção ao monte que Jesus lhes indicara.

Quando O viram, adoraram-n'O;

mas alguns ainda duvidaram.

Jesus aproximou-Se e disse-lhes:

«Todo o poder Me foi dado no Céu e na terra. Ide e fazei discípulos de todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei.

Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos».

 

Domingo passado com o Pentecostes, plenitude da energia da Ressurreição de Cristo, concluimos o Tempo Pascal e entrámos no Tempo per annum. Porém, uma alteração litúrgica recente, impôs, para este domingo, a celebração da festa da Santíssima Trindade, ideia não bíblica, abstrata e insuficiente, para nos fazer contemplar com humildade o mistério do nosso Deus vivo. Com efeito, esta festa seria mais honrada se a chamássemos de Triunidade de Deus. Esta designação afirma que Deus é uno – como diz o Shema‘ Jisra’el (cf. Dt 6,4) –, mas que é, ao mesmo tempo, comunhão plural, comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo: una única vida divina, mas vivida na pluralidade, na sinfonia dos sujeitos unidos por um único amor.

Mas exatamente porque a ideia da Trindade é insuficiente para “narrar” o Deus que ninguém jamais viu (cf. Jo 1,18) ou contemplou (cf. 1Jo 4,12), deveremos deixar de pensar nesta "ideia" e pensar antes numa realidade. Em Deus já está a humanidade do Filho, morto como homem mas ressuscitado na força do Espírito Santo, pelo que não se pode falar de Deus sem falar do homem e, sobretudo, não se pode chegar a Deus através do "caminho" (Jo 14,6) que é o Seu Filho Jesus Cristo, nascido de Maria, vivido entre nós, morto e ressuscitado na nossa história. Eis portanto o que devemos anunciar nesta festa que se segue ao Tempo Pascal. Deus uniu-se à humanidade de forma indissolúvel e a humanidade transfigurada está em Deus através do Filho Jesus que, como tal como desceu assim subiu ao céu (cf. Ef 4,9-10), “constituído Filho de Deus em poder, segundo o Espírito santificador pela ressurreição de entre os mortos” (Rm 1,4). Este texto Paulino, prólogo da Carta aos Romanos (cf. Rm 1,1-7), talvez fosse mais indicado como segunda leitura da festa hodierna…

Feitas estas precisões, procuremos escutar o trecho evangélico previsto pela liturgia, ou seja, a conclusão do Evangelho segundo S. Mateus. Quero deter-me, sobretudo, numa frase muito simples: “Os os onze discípulos partiram para a Galileia, em direção ao monte que Jesus lhes indicara”. Segundo Mateus, apenas Maria de Magdala e a outra Maria, depois de terem encontrado o túmulo vazio, viram Jesus que as saudou com o dom messiânico da paz: “Shalom!” (Mt 28,9). Ele pedira-lhes que fossem mensageiras do anúncio Pascal junto dos apóstolos: “Não temais. Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão.” (Mt 28,10). Os discípulos íntimos de Jesus, escutado o anúncio das mulheres discípulas, seguem à letra o pedido de Jesus.

E assim, aquele grupo dos doze, reduzido a onze porque Judas se fora, volta às estradas da Galileia. Devem deixar Jerusalém, a cidade santa, e voltar aonde começou a pregação de Jesus (cf. Mt 4,12-17): à Galileia dos gentios, terra periférica, terra espúria, habitada por Hebreus e não Hebreus, terra cosmopolita… Devem ir pelo mundo, para o meio dos homens e das mulheres, para afirmar que todos são chamados à fé de Cristo, que – como escreve Paulo – “não há judeu nem grego” (Gal 3,28), para dar vida a uma nova comunidade, não mais ligada pela carne e pelo sangue, pela língua ou pela cultura, pela proximidade ou pela distância, mas uma comunidade que encontre em Jesus Cristo um elo, um fundamento do seu credo, da sua esperança e do seu amor. Podemos dizer que aquele grupo de onze pessoas é “o pequeno rebanho” (Lc 12,32), a igreja nas estradas do mundo; um pequeno rebanho que não está fechado num recinto, que não teme, que não é autoreferencial, mas está disposto a estar no meio dos outros, mesmo no meio dos lobos. Não são grande coisa, não são homens extraordinários: de alguns sabemos qualquer coisita, de outros apenas o nome; gente pobre no meio dos quais estão alguns que duvidam de Jesus e da sua missão…

No entanto, obedecendo às instruções das mulheres, dirigem-se para a montanha, o novo Nebo (cf. Dt 32,49; 34,1), o lugar da manifestação da vontade de Deus. Na montanha Jesus tinha pregado o Sermão das Bem-aventuranças (cf. Mt 5,1-7,29), na montanha tinha multiplicado os pães (cf. Mt 15,32-39), na montanha tinha sido transfigurado pelo Pai diante dos discípulos (cf. Mt 17,1-8): agora, na montanha, os onze devem escutar as últimas palavras do Ressuscitado, as suas últimas vontades. E eis que, no cimo do monte indicado, não só veem Jesus mas prostram-se, ajoelham-se por terra e adoram-nO. Jesus que já os tinha visto, pela última vez, no início da sua paixão quando “todos os discípulos O abandonaram e fugiram” (Mt 26,56), agora vê-os aos seus pés, em adoração: gesto pleno de significado, porque quando um homem se inclina diante de outro, cumpre um dos maiores gestos humanos. Como já disse, eles adoram-nO entre dúvidas, porque entre eles as dúvidas existem e existirão até à morte, vencidas e ultrapassadas, porém, pelo amor: sim, porque o amor vence as dúvidas da fé. Esta é a dinâmica no coração do cristão...

Jesus aproxima-se então destes homens, igreja de pecadores, frágeis e com dúvidas, mas igreja que sabe amar e adorar o seu Senhor. É esta a igreja do dia-a-dia que nós conhecemos e formamos; não uma instituição triunfante e que se impõe, mas um pequeno grupo de pobres pessoas que dizem por amor: “Senhor, aumenta a nossa fé (cf. Lc 17,5)! Senhor, nós somos menos assíduos, alguns até já nem veem, mas queremos permanecer contigo! Senhor, fugimos do sofrimento e da morte mas, apenas nos chamas, eis-nos aqui, inclinados diante de Ti! Vem Senhor Jesus, vem depressa, Maràna tha (1Cor 16,22; cf. Ap 22,20)!”.

Jesus, em resposta, dirige-se aos onze com a sua Palavra de Kýrios, de Senhor Ressuscitado e vivo, dizendo-lhes: “Uma vez no meio da humanidade inteira, até aos confins do mundo, fazei discípulos, isto é, procurai que os homens e as mulheres acolham a Boa Nova do Evangelho e a sigam. E imergi-os (isto significa literalmente o verbo “batizar”) no Nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. É a única vez em que no Novo Testamento se fala do batismo-imersão em Nome da Triunidade de Deus, enquanto normalmente se atesta o batismo no Nome de Jesus, o ser imerso com Ele na sua morte e ressurreição, ou no Espírito que perdoa os pecados e santifica. Aqui Mateus faz um acrescento teológico porque no seu Evangelho Jesus revela o Pai falando várias vezes d'Ele e revela o Espírito prometendo-O aos discípulos (cf. Mt 10,20). A comunidade dos discípulos tem as suas raízes na vida triunitária do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

Por fim, o Senhor Jesus proclama-se como Aquele que recebeu todo o poder no céu e na terra. A sua autoridade é superior à de Ciro, imperador do mundo (cf. 2Cr 36,23, último versículo da Bíblia hebraica!), porque é aquela do Filho do Homem que recebe o poder do próprio Deus (cf. Dn 7,13-14). É uma autoridade que, apenas, pede aos seus servos que vivam o novo mandamento do amor (cf. Jo 13,34; 15,12); é a autoridade d'Aquele que nos assegura ser l’‘Immanu-El, o Deus-connosco (cf. Is 7,14; Mt 1,23) sempre, sem nos abandonar nunca. Deus não está mais no alto dos céus, “Santo, Santo, Santo” (Is 6,3) – ou seja Outro, Outro, Outro – mas é o Deus-homem, o Deus-connosco, homem entre os homens, que em Jesus nos acompanha pelos caminhos do mundo; e a comunhão de Deus, comunhão plural, é a nossa morada.